O ano de 1960 foi marcado por uma grande evolução na comunidade científica e também na sociedade em todo o ocidente. No mês de agosto a primeira pílula anticoncepcional havia chegado ao mercado dando início a quebra de paradigmas e a mudanças substanciais no pensamento e no comportamento das mulheres. O Enovid-10, como foi nomeado, foi fruto de um movimento iniciado cerca de dez anos antes pela dupla feminina Margaret Sanger e Katherine McCormick, que começaram a pensar sobre como evitar a gravidez de maneira fácil, eficiente e barata. Gregory Pincus foi o cientista que as auxiliou nessa grande revolução, que se tornou uma grande realidade cinco anos após o início das pesquisas. No entanto, naquela época a pílula era divulgada como uma medicação que tinha como finalidade apenas aliviar os sintomas da menstruação e não a de promover contracepção. Na Alemanha, cerca de um ano após o Enovid-10 ser lançado, Schering lançou a Anovlar, que tinha na bula a função de amenizar as sensações desagradáveis do período menstrual.
Com o advento da pílula, o sexo deixou de ser um ato propriamente reprodutivo, causando um grande impacto no âmbito da sexualidade para a sociedade da época. Isso provocou uma grande discussão com relação ao uso dessa medicação pelas mulheres, uma vez que, para o pensamento da época, a possibilidade de manter relações sexuais sem engravidar punha em xeque a fidelidade das mulheres perante seus maridos ou namorados. Nesse auge apareceram os movimentos Woodstock e Hippie, que logo em seguida fizeram frente ao movimento feminista.
No entanto, em pouco tempo vieram os efeitos adversos do uso contínuo das pílulas, principalmente o ganho de peso, o que deu início aos grandes estudos, que geraram as grandes melhorias que temos hoje em dia com relação às pílulas contraceptivas.
Os anticoncepcionais orais (usualmente abreviado por ACOs) podem ou não ser formulações só de progestágenos sintéticos ou a associação desses progestágenos a etinilestradiol (EE). Quando há essa associação eles são denominados ACOs combinados. Esses combinados podem ser classificados de acordo com a quantidade desses dois hormônios nos comprimidos ao longo da cartela, podendo ser, portanto, monofásicos, bifásicos ou trifásicos, com uma, duas ou três combinações diferentes, respectivamente. Essa divisão não apresenta cientificamente uma justificativa forte o suficiente para que o uso das cartelas com mais de uma fase seja preferível por trazer alguma vantagem.
Os ACOs combinados apresentam eficácia de 99,9% e são efetivos a uma taxa que pode variar entre 97 e 98%. Essa medicação também pode ser classificada quanto às gerações de hormônios sintéticos a que pertencem, embora é sabido que essa classificação não segue um consenso properiamente dito e, portanto, pode variar de acordo com a literatura em que se baseia. Sendo assim, os da primeira apresentam cinquenta gramas ou mais de EE; já nos de segunda geração, a concentração de EE gira entre trinta e trinta e cinco gramas e estão associados a levonorgestrel ou a ciproterona; e nos de terceira geração são encontrados menos de trinta gramas e se apresentam associados a progestágenos pertencentes à terceira geração, como desogestre, gestodeno e norgestimato. Além disso há os anticoncepcionais orais combinados com drospirenona.
O mecanismo de ação pelo qual essa medicação funciona se baseia, no geral, na inibição de gonadotrofinas (ou gonadotropinas), que são hormônios secretados pelas células da hipófise (glândula pituritária) e que agem nos ovários, fazendo com que a ovulação seja inibida. Nesse mecanismo, ambos os hormônios são importantes, pois enquanto a progesterona sintética inibe, de um modo geral, a secreção de LH (hormônio luteinizante), o estrógeno sintético vai atuar no FSH, que é o hormônio folículo estimulante, o responsável pela maturação folicular e pela preponderância do folículo dominante, que se tornará o óvulo, que, por sua vez, será eliminado para as trompas quando houver o pico do LH. Sendo assim, o LH é o responsável pela ovulação em si e é por isso que os anticoncepcionais orais cuja composição apresenta apenas sintéticos progestágenos também funcionam, uma vez que ele atuará na regulação do LH especificamente. Mas o uso do ACOs combinado traz as outras funções do estrogênio, como a estabilização do tecido endometrial, o que dificulta seu sangramento irregular (também chamado de spotting) e também seu auxílio na ação do progestágeno, uma vez que o estrogênio faz com que aumente o número de receptores de progesterona dentro das células.
Os efeitos secundários da utilização desses hormônios também contribuem para que não haja concepção, como a alteração da consistência do muco cervical, que fica espesso e dificulta a subida dos espermatozoides, a atrofia do tecido endometrial, que impede que um possível embrião se nide no local, além da alteração do trânsito do óvulo a partir do ovário para o útero, por meio da tuba uterina, também em função da mudança do aspecto do muco.
A indicação dos ACOs tem certos pontos importantes: as mulheres devem ser sadias e não fumantes, uma vez que a ação comuta dos hormônios sintéticos e das alterações vasculares causadas pelo cigarro aumentam consideravelmente a chance de ocorrerem eventos tromboembólicos com essas usuárias. A idade também é um fator de atenção (mulheres até trinta e cinco anos), além de outros fatores de risco como a presença de diabetes, obesidade e hipertensão arterial, que também contribuem para a exacerbação de possíveis efeitos adversos do uso de ACOs combinados. No entanto, a Food and Drug Administration (FDA) recomenda que as mulheres sadias podem fazer uso dos anticoncepcionais orais até os 40 anos, desde que estes sejam de baixas concentrações de hormônios sintéticos e que apresentem uma boa margem de risco.
É válido ressaltar que o risco deve ser avaliado por um médico e que ele pode ser superado pelos benefícios, dependendo da situação. Mas a importância da avaliação médica se dá porque além dos riscos conhecidos, há estudos que relacionam o uso de ACOs e a incidência de câncer de mama em mulheres pertencentes à faixa etária entre quarenta e cinco e cinquenta anos, mas ainda não há um consenso que afirme claramente essa relação.
O que é sabido pela comunidade científica é que com a advinda das novas gerações de anticoncepcionais orais, não há uma justificativa válida para a indicação do uso das medicações de primeira geração, uma vez que por uma quantidade muito menor de substância hormonal o efeito contraceptivo funciona de modo excelente, se utilizado de maneira correta, além de expor menos a mulher a esses fatores que podem lhe oferecer um aumento nos riscos de doenças e urgências cardiovasculares.
Muitos anticoncepcionais também estão sendo utilizados para amenizar problemas com a estética, como a presença de pelos faciais em abundância, bem como acne e excesso de oleosidade capilar, características androgênicas, que podem ser reduzidas com o uso dessas medicações, principalmente com os ACOs de terceira geração. No entanto, justamente estes apresentam o dobro de risco de ocorrência de eventos tromboembólicos, se comparados com os remédios pertencentes à segunda geração. Dos diferentes progestágenos, o que apresenta maior risco, de acordo com os estudos científicos, é o desogestrel, seguido do acetato de ciproterona (utilizado em grande escala para o tratamento de acne inflamatória).
Com relação ao tempo de uso, os riscos são maiores no início do tratamento, com o uso de qualquer um dos fármacos, o que permite consentir o fato de que se uma paciente está bem adaptada com a medicação que utiliza, não tem porque trocá-la. É indicado o uso de levonorgestrel para as mulheres que vão iniciar o uso de anticoncepcionais pela primeira vez e também para as que apresentam certo risco cardiovascular, como sedentarismo ou sobrepeso, por exemplo.
O acompanhamento das mulheres que fazem uso de ACOs com um médico é de suma importância, principalmente nos primeiros três meses de início do uso, mas é fundamental observar a cada seis a doze meses, com a devida atenção para os possíveis efeitos adversos que podem ocorrer e para o controle de peso e pressão arterial, principalmente, uma vez que os ACOs aumentam em duas vezes a chance do desenvolvimento de hipertensão em pessoas previamente saudáveis.
Como benefícios do uso de anticoncepcionais orais, há estudos que demonstram a hipótese de diminuição do índice de mortalidade por câncer de ovário em mulheres usuárias contínuas de ACOs; em contrapartida, há evidências do aumento de mortalidade por doenças cerebrovasculares nessas mulheres. Um outro ponto importante a ser abordado e que geralmente é bastante esquecido dentre as usuárias é a interação com outros medicamentos, o que pode reduzir sua eficácia de maneira temporária. Isso ocorre em maior escala com os antimicrobianos, como a rifampicina, o nelfinavir, lopinavir, ribonavir e nevirapina, por exemplo.